Se existe algo que padece de dúvidas é, sem sombra de dúvidas, os reflexos jurídicos de uma traição. Ninguém deseja passar por essa situação, mas o cenário é mais comum do que podemos imaginar. Mas como fica a situação da esposa? E da amante? É possível que a amante tenha direito à partilha de bens?

Essas dúvidas não são novas e permeiam o imaginário de muitas pessoas, seja porque estão passando por algo parecido, porque conhecem alguém nessa situação ou por pura curiosidade a respeito do tema.

Analisando esse cenário, separamos algumas dessa dúvidas para explicar como fica a situação da amante, os direitos das partes envolvidas e os reflexos jurídicos de um caso extraconjugal.

O que são relações extraconjugais

Como se sabe, um casal quando formaliza o instituto do casamento acaba assumindo direitos e deveres para com a pessoa escolhida, todos estes regulados pelo Código Civil, sendo possível incluir outras questões por meio de um pacto antenupcial.

Entre os deveres dos cônjuges está a fidelidade recíproca, bem como o respeito e consideração mútuos. Ainda que os cônjuges tenham plena consciência dessa questão, não raras vezes, a promessa é quebrada e uma das partes acaba mantendo relações extraconjugais.

Com isso, qualquer relação amorosa mantida por um dos cônjuges fora do casamento será considerada uma relação extraconjugal, seja ela de longa ou curta duração, sendo de conhecimento ou não do cônjuge traído.

Ainda que pouco se debata sobre o assunto, considerando que a manutenção de famílias paralelas seja uma prática majoritariamente masculina – com o aplauso da sociedade machista e patriarcal, sendo inclusive uma prática incentivada, com o intuito de demonstrar a virilidade do homem em manter relações com mais de uma mulher – a discussão é urgente e necessária, pois muitas mulheres acabam perdendo certos direitos em razão da relação mantida – nem sempre sabendo que é extraconjugal.

Tipos de relações extraconjugais

A complexidade das relações é algo difícil de ser caracterizada, mas para fins de relações extraconjugais podemos definir dois tipos de experiências distintas, ambas ferem a lógica da monogamia, mas de forma diferente.

Há o cônjuge que é infiel “sem comprometimento”, mantendo relações casuais com pessoas diferentes ou aquele outro que mantém uma relação afetiva duradoura, com a mesma pessoa, podendo até configurar uma união estável.

Relação casual – a infidelidade aqui ocorre de forma esporádica ou frequente, mas de modo casual, com a troca de parceiros e sem vínculo afetivo ou duradouro.

Relação permanente – União estável – para configurar a união estável é necessário que a relação preencha alguns requisitos essenciais, devendo a união ser pública, duradoura, estável e com o objetivo de constituir família. Mas a pergunta que fica é, pode um cônjuge conseguir configurar uma união estável com uma companheira? E a resposta é sim, isso acontece mais do que as pessoas imaginam. Conseguir o reconhecimento judicial dessa união estável já é algo muito diferente, falaremos disso mais à frente.

Concubinato adulterino – é o caso onde uma das partes mantém uma relação mesmo sendo impedido de casar-se. Tem previsão legal no Art. 1.727 do Código Civil: As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Muitas vezes essas relações não são públicas, não se confundindo então com a união estável.  

Quando falamos de traição não há necessidade de classificar as relações extraconjugais, visto que ambas ferem o dever de fidelidade e respeito mútuos.

Conceitos de família

Ao se tentar conceituar família é preciso ter muito cuidado, visto que há diversas formas de assim o fazê-lo e não uma única conceituação amplamente aceita. Não há como defender que família é apenas a união de pai, mãe e filhos, visto que isso excluiria uma parcela significativa de famílias com estruturas diferentes. Podemos dizer que uma relação íntima entre pessoas mantida pelo afeto pode configurar uma família.

Há famílias que se encaixam na configuração “tradicional” de pais e filhos, famílias pluriparentais, monoparentais, no Brasil por exemplo, a quantidade de mães solos não para de crescer, mulheres que criam sozinhas a prole, sem a presença da figura paterna, o contrário também ocorre, ainda que em menor número. Há de se considerar ainda as famílias socioafetivas, um filho que é criado pelo pai afetivo e não o pai biológico, entre tantas outras formações familiares.

Aí vem a pergunta, mas precisa ser um homem e uma mulher? E a resposta é não, famílias compostas por pessoas do mesmo sexo são família do mesmo jeito, inclusive com reconhecimento legal, podendo casar-se, constituir união estável, adotar filhos, registrar filhos de geração própria ou havidos por meio de reprodução assistida.  

Famílias paralelas

Falar de famílias paralelas é um verdadeiro desafio, tendo em vista a discussão recente a respeito do tema que levou o STF a se posicionar sobre a temática, dividindo opiniões entre os próprios ministros e concluindo que não há como assegurar a existência de famílias paralelas no Brasil.

Fato é que essa é uma realidade brasileira, podemos dizer que são famílias paralelas quando um dos cônjuges integra um casamento e uma união estável ao mesmo tempo, ou até mesmo duas uniões estáveis, sem casamento.

Note que aqui há uma coexistência de dois núcleos familiares distintos, mas simultâneos. Eduardo está casado com Mônica, mas mantém união estável com Natasha.  Considerando o sistema de monogamia adotado pelo Brasil e o dever de fidelidade de Eduardo e Mônica, é possível o reconhecimento da união estável de Eduardo e Natasha?

Em decisão recente a respeito do tema, no tocante a um segurado falecido que deixou dois companheiros, um homem e uma mulher, foi decidido pelo STF que, ainda que seja possível o reconhecimento de uniões homoafetivas, a relação do segurado com a antiga companheira já era reconhecida, impedindo o reconhecimento de outra união estável.

A seguinte tese foi fixada pelo STF quando desse julgamento: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.

Nessa situação, o que ocorre com as relações que existem e não são reconhecidas como de Eduardo e Natasha? O direito reconhece essas relações como sociedades de fato e não famílias paralelas.  Esse tema deixe de ser discutido na seara do direito de família para integrar o direito das obrigações.

Essa temática é problemática e desperta sérias reflexões, já diria Maria Berenice Dias, “negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente tentar fazê-las desaparecer. Com isso a justiça acaba cometendo enormes injustiças.”

Direitos do(a) amante

Como as relações extraconjugais são entendidas como sociedades de fato, são as regras dos direitos obrigacionais que irão ditar o que deverá ser feito. Significa dizer que a “’amante” nesse cenário terá direitos com relação ao patrimônio constituído durante a união estável, mas não sobre o patrimônio comum do casal, sendo que a meação da esposa estará garantida.

Há ainda uma certa diferenciação realizada pela jurisprudência pátria, entre as companheiras que sabiam das relações matrimoniais do companheiro e as que foram tão enganadas quanto as esposas, havendo uma separação entre companheiras de boa e má-fé.

Imagine a situação de Natasha que achava que Eduardo era solteiro e com ele comprou imóveis e automóveis, teria ela direito à parte desse patrimônio? Por certo que sim.

Tanto é que essa questão ganhou destaque e uma súmula do Supremo Tribunal Federal.

Súmula 380 do STF: comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinas, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

Essas questões são delicadas, complexas e seu desfecho dependerá das peculiaridades do caso concreto. Contudo, se a amante teve participação na construção de certo patrimônio, sobre ele terá direito. Por certo que aqui nos referimos às relações permanentes, não às relações casuais.

Além disso, caso o casal venha a ter filhos juntos a criança fruto dessa relação terá seus direitos reconhecidos pelo pai, sem diferenciação com os filhos havidos no casamento, falaremos disso em outro tópico. Mas em suma, a “amante” garante o reconhecimento de seus filhos, bem como o recebimento de alimentos gravídicos.

Amante tem direito à partilha de bens?

Como não há reconhecimento pelo direito de famílias paralelas – ainda que a doutrina e a jurisprudência muito discutam essa questão, há posicionamento recente do STF sobre a impossibilidade –  havendo entendimento que relações extraconjugais são sociedades de fato, não há como falar em partilha de bens, tema atinente ao direito de família.

Contudo, é preciso considerar que existem relações extraconjugais em que a amante despende esforços para adquirir bens em comum, não havendo de ser prejudicada quando do fim dessa relação.

Nesse cenário, sendo essas relações regidas pelo direito das obrigações, as amantes terão direito à divisão dos bens adquiridos em conjunto com o companheiro casado, conforme dispõe a súmula do STF supramencionada.

Direito de filhos fruto de relações extraconjugais

Quando entramos na seara dos filhos, o jogo muda completamente de figura. Isso ocorre porque a Constituição Federal reconhece o tratamento igualitário aos filhos, sendo vedada a discriminação do filho havido fora do casamento.

Com isso, o artigo 227, § 6º, da CFRB/88 assim destaca: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Sendo assim, o filho terá direito ao reconhecimento, pensão alimentícia, herança, e todas as demais questões atreladas à criação e educação de filhos. O fato de sua concepção ter sido resultado de uma relação extraconjugal em nada muda sua situação de filho e seus direitos.

Decisões favoráveis aos amantes

Como já destacado, as mulheres que viverem em relações extraconjugais terão direito a parte do patrimônio construído em comum com o companheiro que é casado, sendo que há uma série de decisões a respeito.

Se a companheira não tinha conhecimento da relação conjugal do companheiro, é possível identificar que a relação era de boa-fé por parte dela, havendo inclusive reconhecimento da união estável em conjunto com o casamento, garantindo inclusive eventuais benefícios previdenciários.

Separamos alguns posicionamentos jurisprudenciais a respeito do tema: 

União estável. Relacionamento paralelo ao casamento. As provas carreadas aos autos dão conta que o de cujus, mesmo não estando separado de fato da esposa, manteve união estável com a autora por mais de vinte anos. Ação declaratória de união estável. Sentença pela improcedência do pedido. Relacionamento afetivo paralelo a casamento. Apelação cível. Teses. Objetivo de constituir família. Prole comum. Relação contínua. Pública e duradoura. Aproximados 30 (trinta) anos de convivência. Possibilidade de reconhecimento face às peculiaridades do caso concreto. Presentes os requisitos caracterizadores da união estável. Interpretação do código civil ele 2002 de acordo com a doutrina de Miguel Reale. Medida que visa evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes. Precedentes jurisprudenciais. 1 – Os relatos demonstram, de forma inequívoca, que entre o falecido e a apelante houve comunhão de vida e esforços por aproximadamente 30 anos, coabitação, prole comum e dependência econômica. E por isso, ainda que o falecido tenha permanecido casado com a apelada, a qual tinha plena ciência da existência do contínuo relacionamento extraconjugal de seu marido, é viável reconhecer a união estável entre ele e a recorrente. ll – Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal em construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o de cujus, à época, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o poder judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de direito de família. III – Entender o contrário seria estabelecer um retrocesso em relação às lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e social. IV – Precedentes jurisprudenciais. V – Recurso conhecido e provido. Decisão unânime. (TJAL, AC 20 1 0.000284-7, 2.ª C. Cív., Rel. Des. Juíza Conv. Maria Valéria Lins Calheiros, j. 28/07/2014).

Ação de existência e dissolução de sociedade de fato. Companheiro casado. Relacionamentos paralelos. Reconhecimento de direitos. Apelo improvido. Restando incontroverso a convivência em comum, pública, contínua e duradoura, além da affectio maritalis, entre a Autora e o falecido, por aproximadamente 22 anos, desde 1984 até sua morte, afigura-se necessário o reconhecimento dos direitos decorrentes desta relação. Comprovada a simultaneidade de relacionamentos conjugais, há de se admitir direitos e consequências jurídicas decorrentes dessas relações, não se lhes podendo fechar os olhos ao simplório argumento de que o Estado Brasileiro é monogâmico. Se existe concurso de entidades familiares, portanto se existe um casamento ou união estável, e paralelamente, uma relação extraconjugal, esta última, certamente deverá merecer amparo legal. Não se pode permitir que a complexidade das relações de fato no seio social, notadamente no campo afetivo, impeça o reconhecimento de direitos, mormente quando a análise do caso concreto aponta para a existência de união estável paralelamente à existência de matrimônio, cuja relação conjugal não mais persiste, ainda que não rompida formalmente, uma vez que não houve separação judicial ou o divórcio dos cônjuges. Apelo provido. Sentença mantida. (TJBA, AC 00 1 5589732007805000 1, 3.ª C. Cív., Rel. juíza convocada Marta Moreira Santana, j. 1 1/02/201 4 ).

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